sábado, 18 de janeiro de 2014

"Feliz Natal" (?)


     Chegamos a mais um Natal, data feliz, de reuniões familiares, de alegrias ímpares, de abundância de comidas e bebidas, de amor, fraternidade, abraços e sorrisos. E tudo isso é verdade, pena que não para todos. Pena que por trás de toda essa aura natalina está o interesse alvissareiro de grandes organizações. Pena que por conta disso, crianças e adultos precisam passar o seu natal sem um teto, sem uma migalha de pão, sem um gole de água pura. 
     Hoje uma imensidão de pessoas comerá até não aguentar mais, beberá dez vezes mais do que o necessário, abraçará pessoas com as quais mal conversam, oferecerá sorrisos amarelos e contribuirá com o clima natalino tão fortemente louvado em nossa sociedade. Tudo em suas casas mobiliadas, de água quente, dispensa cheia e muros com cercas. Um dia em que tudo muda, para que amanhã tudo volte a ser exatamente igual. 
    Comemora-se como se nada mais no mundo estivesse errado. Comemora-se uma data falida, falsa, morta. Dizem que é o nascimento de Jesus (que não nasceu nesta data, muito pelo contrário), mas quem de fato vive esse período como ele o fez? Quem de fato lembra-se de seus ensinamentos? Quem, quiçá, reproduz pelo menos um de seus atos? E não adianta ir à igreja para depois fazer exatamente igual a todos. Não adianta criar uma autocomiseração religiosa. Dedicar poucos minutos de seu tempo para ouvir uma palavra bonita e sair de lá exatamente como entrou: preconceituoso, intolerante, cego aos problemas alheios (embora ninguém reconheça isso, inclusive você que lê agora).
    Comemora-se de fato, nesta data, a farra do mercado. A medição do amor pelo valor do presente. Você vale exatamente o que você ganha! Comemora-se o comércio negro de almas, de consciências vis, de autoconhecimento nulo. Cada um pede ao seu deus mais paz, mais segurança, mais abundância, esquecendo que nada disso será possível num mundo injusto, sem educação e cruel. Muitos rogam para que os pretos favelados sejam encarcerados para sempre, para livrar sua prole da maldade desse segmento social. Como se favela, negro e crime fossem sinônimos. 
Como dizia a canção, com uma pitada de mudança (minha) e de ironia, típicas de Renato Russo: “No Natal, vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações... Celebrar a juventude sem escolas, as crianças mortas...”. Ele nomeou essa música de Perfeição. Sarcasmo ácido à idiotia generalizada. Ao celebrar o Natal sem repensarmos o mundo em que vivemos, fazemos o que diz a música, cegos a uma criança faminta. Viramos as costas para a miséria. 
    Esquecemos muitas vezes que ao fazer isso, repetimos os atos de quem clamou pela morte de Jesus, o mesmo personagem que deveria, na teoria, ser tema destas festas. Jesus era pobre, excluído, passou fome e carência. E muitos grasnaram feito feras alucinadas a felicidade por sua tortura e morte. Aplaudiram o ceifar de uma vida dispensável, de uma pessoa de pele escura (pois é, Jesus não era loiro de olhos azuis), que lutou para mudar sua realidade. Enquanto isso, milhões pedem a redução da menoridade penal, a pena de morte, a perseguição à classe desfavorecida, tal qual fizeram os assassinos de Jesus. Clamam pela “higienização” social. 
Afinal, o que mesmo se comemora no Natal? Ah sim, comemora-se uma realidade falsa, ilusória, refastela-se uma utopia distante. Que os Deuses das compras nos perdoem por não gastarmos mais, comermos mais e presentearmos mais. Mas prometemos a nós mesmos que trabalharemos duro para o ano que vem podermos fazer mais disso tudo, como se a felicidade residisse num belo embrulho de presente em torno de uma árvore de plástico, com luzes artificiais e plantada numa base de alumínio. Tudo irreal, falso, morto. 
    Que hoje nossas mesas sejam fartas, pois merecemos isso, já que trabalhamos duro e não vivemos feito vagabundos com bolsas de auxílio sociais, não é? A nós tudo! A eles, a consequência de suas próprias incompetências (como se vivessem isolados de uma sociedade que os exclui). 
    Espero que todos que podem passem um ótimo natal, felizes e com os corações aquecidos. Pois hoje, 27 milhões de brasileiros (miseráveis) terão um dia como todos os outros, frio, sem cama e sem comida. 
Dados da ONU revelam que uma criança morre de fome a cada 10 segundos no mundo. Na contagem decimal da virada, vamos comemorar sem neuras e preocupações, afinal, o que é a morte de uma criança diante da felicidade de muitos?
“FELIZ NATAL”

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Olá Isabella,

      tudo bem? Este email com o qual entro em contato (rodhistoria@yahoo.com.br) é o meu pessoal. Pode entrar em contato por ele.

      Como você descobriu o blog e o texto (apenas por curiosidade)?

      Att.

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